Investigação antes da conclusão do Mestrado Integrado em Medicina?

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A investigação científica é uma atividade que pode ser caracterizada como algo que nos ensina a aprender. A dimensão da aprendizagem universitária há muito que deixou de ser bidirecional e bidimensional. Hoje, aos docentes universitários talvez apenas reste o apontar das ideias que indicam determinados caminhos. O poder do estudante universitário é, no mundo global, total e determinístico. As escolhas de cada um, mais do que nunca  determinarão o seu caminho, percursos e metas.

Falando-se em aprendizagem e naquilo que a descoberta científica tem para contribuir neste processo, dir-se-ia que há três características da investigação que moldarão a mentalidade e o processo mental do estudante; a dúvida, o foco, e a persistência.

Cedo no processo formativo se percebe que o discente pretende resultados, não deseja insucesso, o desaire é prejudicial à sua autoestima e é tacitamente aceite que saber é diferente de concluir unidades curriculares.

Ouvir, ver, conversar sobre as matérias, ensinar outros, fazem parte da aprendizagem, cada uma delas com a sua efetividade e, complementando-se mutuamente, afigura-se interessante adicionar a dúvida a este processo. Será prudente que no âmbito do ensino se leve os estudantes a integrar a dúvida na sua aprendizagem. A dúvida, contudo, não contribui da mesma forma para o saber, em todas as suas vertentes. A dúvida é muito humana na sua génese e no seu corpo, é livre e ilimitada em algumas mentes. Numa lógica positiva, torna-se muito relevante orientá-la e focá-la em determinada direção.

É necessário trabalhar as dúvidas, orientá-las para que a busca seja efetiva e acima de tudo para que o esclarecimento se materialize. Neste aspeto surge a terceira característica em que a investigação ajuda e molda o conhecimento, a persistência. Investigar é também uma escola de vida, é uma forma de viver que é olhada de perto por caminhos mais fáceis e indefensáveis, como o plágio, a falsificação, a ocultação deliberada de dados, entre outros. Deste modo, a persistência perante o desaire orienta o estudante, confere-lhe processos mentais que transcendem a dimensão profissional.

Considera-se, portanto, muito relevante, incluir a investigação nas unidades curriculares dos cursos universitários, nomeadamente no de Medicina. É possível moldar um conteúdo programático de forma a poder incorporar esta prática. A definição inicial das regras, a disponibilização das ferramentas de trabalho, o estabelecimento de objetivos temporais e a explicitação da forma de classificar o trabalho de investigação, claramente poderão transmitir aos estudantes a importância da realização de um trabalho que em muito os ajudará pessoal e profissionalmente, queiram eles próprios assim o materializar.

Um dos aspetos mais frequentemente referidos pelos estudantes no âmbito do desenvolvimento de projetos de investigação durante a frequência do Mestrado Integrado em Medicina é a falta de ferramentas para efetivar a própria investigação. São exemplos, a capacidade de análise estatística, a existência de orientadores de investigação, a capacidade de escrever numa escrita científica aceite pelas revistas, e muitas vezes também a proficiência na língua inglesa escrita.

Deste modo, parece intuitivo que se aproximem as unidades curriculares da área das ciências exatas para a altura em que a investigação pode ser realizada, que se dotem as faculdades de medicina de iniciativas de formação dirigidas à investigação (medical writing), entre outras eventualmente necessárias e identificadas localmente.

Não menos importante, dir-se-ia potencialmente a mais relevante dos aspetos a consignar nos curricula, será a formação em estruturação de pensamento científico. A começar na explicitação do tipo de estudos possíveis, até ao passo mais básico que poderá ser a construção da “pergunta de investigação”; sobre estas questões, temos, enquanto docentes, a responsabilidade de construir alternativas e possibilidades que acautelem este tipo de premissas.

A ideia a transmitir aos estudantes que há lugar à criação de ciência, há lugar a aceitar o desconhecido e transformá-lo em ciência é fulcral neste paradigma. O estudante deve perceber que pode construir algo de novo, pode descobrir, pode inclusive contribuir para o conhecimento provando que algo não se passa de determinada maneira.

A investigação para o estudante universitário em geral, e para o estudante de medicina em particular, deve corresponder ao saciar de uma vontade de construir conhecimento, de forma replicável, validada por pares, inteligível por terceiros. Deve igualmente contribuir para que o estudante se sinta melhor com a sua carreira e a sua profissão.

Atualmente, e de forma cada vez mais presente nas várias áreas do saber, incluindo-se também as áreas da ciências da vida, e da medicina em particular, temos a noção de que trabalhamos em equipa. As equipas são mais fortes que a soma dos seus elementos em separado. A sinergia de uma equipa de investigação é muito relevante para a obtenção de resultados, para a partilha de dúvidas e para o encorajamento mútuo. Sendo que o estudante que souber trabalhar, também saberá trabalhar em equipa, e a investigação científica assim o demonstrará.


Professor Doutor Humberto Machado
Assistente Graduado Sénior de Anestesiologia
Diretor do Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar do Porto
Professor Associado Convidado Instituto Ciências Abel Salazar, Universidade do Porto
Mestre em Gestão de Saúde, Universidade Nova de Lisboa
Doutorado em Ciências Médicas, Universidade do Porto

 

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