O uso de métodos de ensino inovadores nos cursos de Medicina

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O uso de métodos de ensino inovadores nos cursos de Medicina. Os médicos do século XXI também vão contribuir para os ganhos em saúde das populações que servem.

Segundo um modelo apresentado por Lalonde em 1974, que tenta explicar os fatores que contribuem para a saúde dos indivíduos [1], os serviços de saúde têm uma contribuição positiva a dar [2]. No entanto, sob o ponto de vista quantitativo, o potencial efeito dos serviços de saúde é muito menos que aquele que resulta dos fatores socio económicos em geral e, em particular, de fatores comportamentais (estilos de vida) [2,3].

Uma das razões pelas quais, muito cedo, mudei de uma atividade clínica curativa clássica, para a saúde pública, foi a constatação de que a medicina preventiva e a saúde pública em geral resultam em impactos muito maiores na saúde das populações que servimos, enquanto profissionais de saúde.

Programas de saúde pública como o abastecimento de água potável e os programas de vacinação nacionais e mundiais, resultaram em estrondosas vitórias, com ganhos de saúde enormes para milhões de seres humanos. Hoje em dia, se conseguíssemos alterar hábitos de vida dos cidadãos, poderíamos obter ganhos de semelhantes magnitudes. Por exemplo, deixem-me sonhar com uma saúde pública que contribui para que os portugueses não sejam fumadores nem obesos e reduzam o teor de sal na sua alimentação. Imaginem o impacto!

Claro que são tarefas para toda a sociedade. Mas acredito que os médicos podem e devem ter um papel importante nessas desejáveis intervenções, mesmo que não sejam formalmente especialistas em saúde pública. O ensino nas escolas médicas é obviamente essencial para formar tais médicos do século XXI. No ICBAS, fizemos algumas tentativas, usando métodos inovadores, longe do que é clássico e habitual nas escolas médicas.

Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), 2013. Cortesia de Ricardo Gonçalves.

No 3º ano de Medicina os estudantes efetuam ações de educação para a saúde em meio escolar. Há mais de cinco anos que colaboramos com 24 escolas/agrupamentos da área metropolitana do Porto. Tanto quanto é possível medir, as atividades têm corrido muito bem. Alguns grupos de estudantes realizaram ações verdadeiramente notáveis pela sua elevada qualidade e inovação. A minha gratidão às comunidades escolares envolvidas e aos estudantes do ICBAS. Mas há estudantes e docentes de Medicina que se opõe fortemente a esta abordagem. Estamos no processo de medir que proporção representam da totalidade da comunidade académica.

No 5º ano de Medicina os estudantes usam filmes (dos que vemos nos cinemas comerciais e TV) que veem e analisam em grupo na sala de aula, para discutir os grandes problemas da saúde pública contemporânea, as estratégias de resolução e o papel dos médicos nesses programas de intervenção. As aulas decorrem com um interesse e participação que me alegram. Aprendo imenso com os estudantes. Mas há quem se oponha fortemente a esta abordagem. Também aqui, queremos saber se são representativos da totalidade dos estudantes.

Ironizando, diria que escolas médicas “sérias”, não perdem tempo a sair para a comunidade e fazer educação para a saúde, nem a ver filmes em vez de estudar por livros e assistir a aulas clássicas. Está publicada literatura muito “séria” sobre o uso destes métodos de ensino [4,5]. Eu próprio tenho publicado sobre aspetos pedagógicos do ensino da saúde pública [6,7] e pretendo continuar a fazê-lo. Os leitores julgarão. Sugiro que não julguem antes de ler e pensar sobre os assuntos. Mais ainda, sugiro que não se façam reformas nos curricula dos cursos de Medicina, sem pensar nestes assuntos.

 

Referências

  1. Tones K. Health promotion, health education, and the public health. Chapter 7.3, pages 830-863 In Oxford Textbook of Public Health, Fourth Edition, Oxford University Press, 2004.
  2. McKee M, Figueras J. Strategies for health services. Chapter 12.10, pages 1889-1891, In Oxford Textbook of Public Health, Fourth Edition, Oxford University Press, 2004.
  3. Green LW, Potvin L. Education, health promotion, and social and lifestyle determinants of health. Chapter 2.3, pages 113-130 In Oxford Textbook of Public Health, Fourth Edition, Oxford University Press, 2004.
  4. Gallagher P, Wilson N, Edwards R, Cowie R, Baker MG. A pilot study of medical student attitudes to, and use of, commercial movies that address public health issues. BMC Research Notes 2011;4:111.
  5. Ber R, Alroy G: Teaching professionalism with the aid of trigger films. Med Teach 2002, 24(5):528-531.
  6. Gonçalves G. Ensino da saúde pública baseada na evidência a estudantes de medicina portugueses. Acta Med Port 2011; 24(S2): 467-478.
  7. Gonçalves G. Studying public health. Results from a questionnaire to estimate medical students’ workload. Procedia – Social and Behavioral Sciences 2014; 116: 2915-2919.


Guilherme Gonçalves
Professor Associado com Agregação. Saúde Comunitária, DEP, ICBAS, Universidade do Porto

O autor é médico da carreira médica de saúde pública. Fez o Mestrado e o Doutoramento em Epidemiologia na Universidade de Londres.

 

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